Sobre os acordos ortográficos (I)
Têm havido algumas discussões interessantes sobre este assunto. Gostaria apenas de fazer um breve comentário a dois excertos, os quais tomei conhecimento graças aos excelentes blogues Estroboscópio e O Céu sobre Lisboa.
O primeiro excerto é o seguinte da responsabilidade de Manuel Mendes de Carvalho, em Ortografias:
(...)Por isso, o que há a fazer, para uma língua como o Português, é usar um meio termo. Devem representar-se as palavras de um modo, não completamente fonético, mas aproximadamente fonético. Cada palavra terá, então, além das suas componentes fonéticas (letras e grupos de letras), que correspondem a sons que podem ser diferentes de região para região, uma individualidade visual, um aspecto, próprios, que terão de ser reconhecidos por todos(...). Texto completo aqui.
Pergunto, mas não é já isso que acontece? Só tenho pena que esta excelente sistematização da evolução dos sucessivos acordos não contenha exemplos práticos e demonstrações para esta conclusão... (Neste texto também se podem encontrar exemplos de outras línguas)
O segundos excertos são retirados do Acordo Ortográfico de 1990 (NÃO aprovado) e podem ser consultados aqui:
Para mim o primeiro problema surge aqui [os negritos e os "vermelhos" são meus],
(...)BASE IV
DAS SEQUÊNCIAS CONSONÂNTICAS
1º) O c, com valor de oclusiva velar, das seqüências interiores cc (segundo c com valor de sibilante), cç e ct, e o p das seqüências interiores pc (c com valor de sibilante), pç e pt, ora se conservam, ora se eliminam.
b) Eliminam-se nos casos em que são invariavelmente mudos nas pronúncias cultas da língua: ação, acionar, afetivo, aflição, aflito, ato, coleção, coletivo, direção, diretor, exato, objeção; adoção, adotar, batizar, Egito, ótimo.
c) Conservam-se ou eliminam-se, facultativamente, quando se proferem numa pronúncia culta, quer geral, quer restritamente, ou então quando oscilam entre a prolação e o emudecimento: aspecto e aspeto, cacto e cato, caracteres e carateres, dicção e dição; facto e fato, sector e setor, ceptro e cetro, concepção e conceção, corrupto e corruto, recepção e receçâo.
2º) Conservam-se ou eliminam-se, facultativamente, quando se proferem numa pronúncia culta, quer geral, quer restritamente, ou então quando oscilam entre a prolação e o emudecimento: o b da seqüência bd, em súbdito; o b da seqüência bt, em subtil e seus derivados; o g da seqüência gd, em amígdala, amigdalácea, amigdalar, amigdalato, amigdalite, amigdalóide, amigdalopatia, amigdalotomia; o m da seqüência mn, em amnistia, amnistiar, indemne, indemnidade, indemnizar, omnímodo, omnipotente, omnisciente, etc.; o t da seqüência tm, em aritmética e aritmético(...).
Ou seja, eu usarei facultativamente??!! Uso segundo o modo como prenuncio as palavras? Segundo o meu dialecto? E na mesma frase, poderei omitir as consoantes mudas ou mantê-las consoante a minha prenúncia? Parece-me esquisito deixar isso ao critério do falante. E nunca ninguém me explicou porque é que o facto de as não escrevermos facilita a aprendizagem da língua. Veja-se o caso do inglês, que também tem algumas consoantes mudas ( e não só), mas que não tem impedido a respectiva aprendizagem.
Finalmente,
BASE XV
DO HÍFEN EM COMPOSTOS, LOCUÇÕES E ENCADEAMENTOS VOCABULARES
e
BASE XIX
DAS MINÚSCULAS E MAIÚSCULAS
Julgo que faz falta sistematizar estas duas vertentes da ortografia. Vertentes estas que surgem muitas vezes como dúvidas dos falantes e utilizadores da língua e que urge sistematizar. Desde Rebelo Gonçalves (o qual já começa a estar um pouco desactualizado, data de 1945) que não há um esforço sério nesse sentido, principalmente por parte dos sucessivos governos. Contudo, nesta,
(...)1º) A letra minúscula inicial é usada:
b) Nos nomes dos dias, meses, estações do ano: segunda-feira; outubro; primavera(...).
A alteração do uso da maiúscula nos meses e nas estações do ano parece-me desadequada. Pois a regra está bem interiorizada e é de "fácil explicação"...
Voltarei a este assunto mais tarde...
O primeiro excerto é o seguinte da responsabilidade de Manuel Mendes de Carvalho, em Ortografias:
(...)Por isso, o que há a fazer, para uma língua como o Português, é usar um meio termo. Devem representar-se as palavras de um modo, não completamente fonético, mas aproximadamente fonético. Cada palavra terá, então, além das suas componentes fonéticas (letras e grupos de letras), que correspondem a sons que podem ser diferentes de região para região, uma individualidade visual, um aspecto, próprios, que terão de ser reconhecidos por todos(...). Texto completo aqui.
Pergunto, mas não é já isso que acontece? Só tenho pena que esta excelente sistematização da evolução dos sucessivos acordos não contenha exemplos práticos e demonstrações para esta conclusão... (Neste texto também se podem encontrar exemplos de outras línguas)
O segundos excertos são retirados do Acordo Ortográfico de 1990 (NÃO aprovado) e podem ser consultados aqui:
Para mim o primeiro problema surge aqui [os negritos e os "vermelhos" são meus],
(...)BASE IV
DAS SEQUÊNCIAS CONSONÂNTICAS
1º) O c, com valor de oclusiva velar, das seqüências interiores cc (segundo c com valor de sibilante), cç e ct, e o p das seqüências interiores pc (c com valor de sibilante), pç e pt, ora se conservam, ora se eliminam.
b) Eliminam-se nos casos em que são invariavelmente mudos nas pronúncias cultas da língua: ação, acionar, afetivo, aflição, aflito, ato, coleção, coletivo, direção, diretor, exato, objeção; adoção, adotar, batizar, Egito, ótimo.
c) Conservam-se ou eliminam-se, facultativamente, quando se proferem numa pronúncia culta, quer geral, quer restritamente, ou então quando oscilam entre a prolação e o emudecimento: aspecto e aspeto, cacto e cato, caracteres e carateres, dicção e dição; facto e fato, sector e setor, ceptro e cetro, concepção e conceção, corrupto e corruto, recepção e receçâo.
2º) Conservam-se ou eliminam-se, facultativamente, quando se proferem numa pronúncia culta, quer geral, quer restritamente, ou então quando oscilam entre a prolação e o emudecimento: o b da seqüência bd, em súbdito; o b da seqüência bt, em subtil e seus derivados; o g da seqüência gd, em amígdala, amigdalácea, amigdalar, amigdalato, amigdalite, amigdalóide, amigdalopatia, amigdalotomia; o m da seqüência mn, em amnistia, amnistiar, indemne, indemnidade, indemnizar, omnímodo, omnipotente, omnisciente, etc.; o t da seqüência tm, em aritmética e aritmético(...).
Ou seja, eu usarei facultativamente??!! Uso segundo o modo como prenuncio as palavras? Segundo o meu dialecto? E na mesma frase, poderei omitir as consoantes mudas ou mantê-las consoante a minha prenúncia? Parece-me esquisito deixar isso ao critério do falante. E nunca ninguém me explicou porque é que o facto de as não escrevermos facilita a aprendizagem da língua. Veja-se o caso do inglês, que também tem algumas consoantes mudas ( e não só), mas que não tem impedido a respectiva aprendizagem.
Finalmente,
BASE XV
DO HÍFEN EM COMPOSTOS, LOCUÇÕES E ENCADEAMENTOS VOCABULARES
e
BASE XIX
DAS MINÚSCULAS E MAIÚSCULAS
Julgo que faz falta sistematizar estas duas vertentes da ortografia. Vertentes estas que surgem muitas vezes como dúvidas dos falantes e utilizadores da língua e que urge sistematizar. Desde Rebelo Gonçalves (o qual já começa a estar um pouco desactualizado, data de 1945) que não há um esforço sério nesse sentido, principalmente por parte dos sucessivos governos. Contudo, nesta,
(...)1º) A letra minúscula inicial é usada:
b) Nos nomes dos dias, meses, estações do ano: segunda-feira; outubro; primavera(...).
A alteração do uso da maiúscula nos meses e nas estações do ano parece-me desadequada. Pois a regra está bem interiorizada e é de "fácil explicação"...
Voltarei a este assunto mais tarde...
3 Comments:
Gostava só de salientar que, no que diz respeito às sequências consonânticas, alínea b, caso este acordo seja aprovado deveremos todos que começar a alterar a forma como pronunciamos as vogais que precedem o “c” (se quisermos seguir as leis fonéticas do português). Assim, nos exemplos “ação”, “ato”, “coleção”, etc., a vogal que precederia o “c” torna-se átona... Só pelo facto (fato) de não pronunciarmos o “c”, não quer dizer que este não tenha qualquer influência na forma como se pronunciam as palavras... Será que quem se lembrou de importar as regras do português brasileiro não pensou nisto?
E concordo com o Telmo quando ele diz que a ortografia não deve ficar ao critério do falante... Mesmo com as regras existentes, isso já acontece com demasiada frequência...
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Anónimo, at 7:30 da tarde
As chamadas consoantes etimológicas, quando mudas, são uma fonte de confusão. Vou muitas vezes a reuniões científicas e verifico que pessoas cultíssimas, brilhantes, se enganam e as escrevem onde não existem. Deviam ser eliminadas, e não acredito que isso tivesse alguma influência sobre a pronúncia.
Quanto ao 'facultativamente', penso que se refere à 'pronúncia culta' de cada país. Mas de facto o texto é confuso. Alguém pronuncia o 'c' de aspecto?? Eu não me lembro de ouvir. E onde se pronuncia 'arimético'? Também não me lembro de ouvir.
Quanto às maiúsculas, o Acordo é mais explícito que o de 1945, o que é óptimo. Para mim seria um alívio não ter que ver escrito "o País" e mais algumas do género.
Quanto aos hífens, este acordo mantém a confusão. Ninguém sabe quais são as "palavras compostas" que "constituem uma unidade sintagmática e semântica", e não me parece que haja uma maneira de defini-las. Os linguistas nem sequer sabem o que é uma palavra, quanto mais uma palavra composta. Parece-me um conceito completamente anacrónico. A única solução seria eliminar o hífen nestes casos. Era um alívio para outra fonte de confusão.
Já não acredito em reformas ortográficas. A França, que tem a ortografia absurda que se sabe, já tentou fazer umas 10 reformas neste século e não conseguiu. Agora, acabar com os hifens nas chamadas palavras compostas, seja isso o que for, seria óptimo. E clarificar a questão das maiúsculas. Como estas questões não têm grande impacto talvez se conseguisse.
Já agora, podiam actualizar e reeditar o Vocabulário Ortográfico. É ridículo que não esteja disponível. Mas agora, com este acordo pendente, também não pode ser reeditado. Enfim, esqueçamos este assunto.
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Unknown, at 12:40 da manhã
Hífen! hífen! hífen! (já queria ter comentado este post há séculos, by the way. Concordo absiolutamente contigo: a questão das maiúsculas está desactualizada e a utilização dos hífenes sai da democria e vê-se afogada numa anarquia profunda. E não pode ser) beijíssimos!
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batukada, at 11:45 da manhã
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